~Conto 2
“Chamou Deus à luz Dia, e às trevas chamou Noite. Houve tarde e houve
manhã, dia primeiro.”
Gênesis 1:5
Gênesis 1:5
Alek estava sentado em
frente a sua televisão, em seu quarto, estático tal como a tela a sua frente. A
transmissão havia sido interrompida abruptamente, após um longo adeus do
principal âncora do canal. O anúncio havia acabado, mas ainda se repetia na
cabeça do rapaz.
-Meus
caros e minhas caras – o jornalista começara, o suor pingando de seu rosto, sua
fronte tensa como jamais vista antes pelos telespectadores -, trabalho neste
jornal há dezoito anos, e sempre me comprometi em manter minha aliança à
verdade e honestidade acima de tudo. Assim sendo, asseguro-lhes que nunca
divulgaria uma informação sem plena certeza de sua credibilidade. – Ele parou, aparentemente
incapaz de prosseguir – Isto implica também que tenho a responsabilidade de não
omitir nenhum fato. – Ele abaixou a cabeça, respirando fundo e, quando ergueu
os olhos novamente, estes estavam cheios de lágrimas. – Cientistas da NASA
acabaram de anunciar oficialmente que o Sol iniciou um inesperado e
incontrolável rompante de explosões, de natureza inexplicável. A radiação... As
explosões são... De forma que os cientistas esperam uma explosão... Quando isto
acontecer, teremos cerca de vinte minutos até que a explosão nos alcance.
Os
vazios na memória de Alek eram intransponíveis – em grande parte porque ele não
fazia questão de se lembrar do que o homem dissera. Era informação demais para
absorver. Era caótico e grandioso demais para se apreender.
Era
o fim.
(leia o restante abaixo)
Ela olhava para o
infinito, pensando em outros lugares, outros tempos, quando ela ainda
acreditava na existência de algo semelhante ao amor, alheia à festa que ocorria
ao seu redor. Seu noivo, Edvin, estava em algum lugar por perto, embora ela não
soubesse, nem fizesse questão de saber, exatamente onde. Os pratos usados saíam
da mesa rapidamente dando lugar a pratos limpos para a sobremesa, a qual ela
recusou polidamente – para desagrado de sua sogra.
A
esta altura, todos falavam alto, já embriagados – alguns ligeiramente, outros
inacreditavelmente. Ainda assim, continuavam a comer e a beber como se não
houvesse amanhã.
Alguns
minutos mais tarde, ela riria deste pensamento.
Seu
namorado se aproximou cambaleante, embora fizesse parte do grupo dos
“ligeiramente” – ainda.
-Heidi,
venha cá. Venha! – Insistiu ele, com um sorriso alcoolizado, chamando-a com um
aceno. Ela sabia o que tinha de fazer. Encaixou um sorriso em seus lábios, se
levantou e se dirigiu até o noivo.
-Tio,
esta é a minha noiva, Heidi. Heidi, este é meu Tio Stellan.
-Prazer.
– Heidi cumprimentou.
-Olá!
– Stellan a analisou de maneira odiosa por alguns instantes - Pelo gosto de
Edvin achei que você teria mais corpo. – Comentou, o que fez com que Heidi quisesse
degolá-lo ali mesmo. Um odor de bebida barata saía como nuvens dos lábios do
homem.
-Tio...
– Edvin interveio, sem realmente intervir.
– Ignore meu tio, ele perde as papas na língua quando bebe.
Se ele estivesse aqui, tio Stellan não teria mais língua. Caramba, eu
provavelmente nem teria que estar aqui.
-Tudo bem. – Heidi murmurou, forçando
um sorriso fraco e voltando para seu lugar.
-Qual
é, Heidi?! – Chamou Edvin, seguindo-a. - Foi só uma brincadeira. Não precisa
ser tão infantil.
Heidi
sentiu vontade de ela mesma voar no pescoço de Edvin para ver se a cabeça
desencaixava do pescoço. Contudo preferiu respirar fundo e não responder nada.
-Nós
somos noivos. – Edvin continuou, amparando-a pelos ombros e fazendo-a olhar para
ele. – Olha em volta. Esta é a minha família, e em breve será a sua também.
Heidi
olhou em volta. Viu o nojento tio Stellan bêbado beliscando o traseiro da
garçonete que lhes servia refrigerante, enquanto todos os outros, tão nojentos
quanto Stellan, se escangalhavam de rir do feito. Perto dali, as mulheres da
família, esquálidas de corpo e amargas de alma, bebiam com mais parcimônia, mas
Heidi não precisou ouvir para saber que saía veneno de seus lábios; olhares
corriam para ela o tempo todo, e ela podia sentir que eles a julgavam.
Todos
continuaram a comemoração, alheios ao que acontecera a Heidi – alheios a Heidi, como um todo - bebendo
profusamente.
Até que o plantão de
notícias simplesmente interrompeu a festa, avisando que o mundo estava
acabando.
Os
presentes se entreolharam por um instante, e algumas famílias saíram correndo
do restaurante, como se isso pudesse salvá-los. Ela, Edvin e sua família ali
permaneceram em silêncio, até que um dos membros da família quebrou o gelo com
um brado que ecoava o que todos pensavam:
-Se
vamos morrer de qualquer forma, vamos morrer comemorando!
Gritos
de aprovação percorreram o salão, ao cabo de alguns minutos, mesmo o dono do
restaurante havia deixado o local, de forma que só restaram eles ali.
Heidi
ainda processava a informação. Iria encarar o fim do mundo, o seu próprio fim,
sozinha. Não era exatamente isso que temera sua vida inteira?
Mesmo
sob a cortina alcoólica que começava a se formar sobre seus olhos, Edvin
reconheceu rapidamente a dor da qual desdenhava às vezes nos olhos de sua
noiva.
-Relaxa,
garota. – Ele comentou em tom sarcástico. – Pelo menos você vai morrer com o
que seria sua futura família.
Mais
uma vez Heidi se obrigou a olhar para a corja à sua volta, e então para o homem
à sua frente.
Foi
então que Heidi se levantou e saiu correndo.
-Não
faça isso, filho. Fique aqui conosco.
-A
rua está caótica, filho. Você pode se ferir.
Embora
o argumento da sua mãe fosse completamente irrelevante, pela primeira vez em
anos Alek não contestou. Seu pai apenas a apertou mais forte, enquanto ela
percebia que não importava mais o perigo das ruas, nem uma possível interrupção
do futuro de seu filho agora que todos os futuros estavam cancelados.
-O
que tá acontecendo? – Um garotinho de seis anos apareceu na sala, coçando os
olhos, acordado de sua soneca de depois do almoço, assustado. Ficou ainda mais atarantado
quando sua mãe, chorando ainda mais alto, lhe apertou forte. Daí o garoto
começou a chorar também.
Seu
pai respirou fundo, olhando a situação em volta, antes de se voltar novamente
para Alek.
-Você
realmente precisa ir, filho? Não pode ficar conosco?
Alek
apenas balançou a cabeça, sem conseguir responder nada.
Também
em silêncio, seu pai o abraçou, apertando-o contra si com força.
-Eu
amo você.
-Também
te amo, pai.
Os
dois dividiam um olhar resignado quando se separaram. Alek se aproximou e
beijou a fronte de sua mãe, que assistia com o caçula o desenrolar da cena,
também em silêncio, embora as lágrimas corressem pela sua face. Alek olhou para
o irmão e, sorrindo constrangidamente, bagunçou o cabelo do garoto.
Então
Alek saiu sem olhar para trás. Se o fizesse, não conseguiria deixá-los.
Mas
se era para a estória acabar, que acabasse com um ponto final.
Heidi já estava
correndo há alguns minutos, sem olhar para trás. Os gritos que sucederam ao
silêncio chocado de Edvin ainda ecoavam em sua cabeça.
-Pode ir! Nunca quis
você aqui de qualquer forma! Eu te traía, sabia?! – Foi o último brado que
reverberou pelo restaurante, o último resquício de som que Heidi ouviu antes da
porta vaivém fechar atrás dela. A voz de Edvin ainda fazia as lágrimas tremerem
em seu rosto, e ela não parou de correr, sem saber para onde ia – sem, na
verdade, se importar, visto que nenhum lugar seria pior do que dentro de si.
Alek não precisou
prestar atenção para descobrir quando a explosão que atingiria a Terra
aconteceu. Estava na rua, correndo entre carros que buzinavam em pânico,
pessoas que corriam com crianças no colo, cães que latiam procurando seu dono e
pessoas que simplesmente estavam lá, em choque, olhando para o horizonte. Nesse
caos, ao passar em frente a uma casa, ouviu uma transmissão de rádio,
ininteligível à distância, mas traduzida por um grito de desespero de uma mulher
dentro da casa. Ninguém precisou explicar a Alek o que significava aquilo.
Ele
tinha vinte minutos.
T-00:09:20
Ela havia caído, joelhos e palmas das mãos raladas, sangrando
levemente. O sorriso dele se assomou sobre ela, acalentador, reconfortante.
-Quer uma ajuda? – Ele perguntou, estendendo a mão para ela.
Ela aceitou o auxílio dele e aprendeu que, independente de
quanto doesse, ela sempre poderia se levantar.
Heidi começou a perder
o fôlego, e seus pulmões queimavam. Já perdera a noção de há quanto tempo
estava correndo, mas não se permitia parar. Não sabia por quê. Talvez por medo
de que o que ela deixara para trás pudesse alcançá-la.
Ela correu até
simplesmente não poder mais respirar.
Exausta, apoiou-se na
parede de uma farmácia, depredada e invadida, inspirando o ar com toda a
capacidade de seus pulmões, o que só fazia a dor aumentar. Sua cabeça girava e
a dormência em todo o seu corpo fazia parecer que seu sangue havia evaporado de
sua circulação. Não foi antes de a nuvem de torpor se desvanecer que Heidi
ouviu um choro baixo, contido. Ela então se pôs a procurar a origem do som.
Um garotinho estava
sentado na esquina, chorando e chamando pela mãe. Os olhos dele estavam
inchados, e ele olhava para Heidi com desesperança e puro pavor. Ao notar os barulhos
de explosões ao longe, assim como gritos desesperados e algo que parecia ser um
brado de guerra, Heidi compreendeu o pânico da criança e, comovida, andou até
ela.
Antes que Heidi pudesse
tomar a criança no colo uma mulher saiu da rua transversal, pegando a criança
no colo violentamente, e olhando para Heidi com a mesma fúria que uma loba
teria em sua fronte ao proteger sua cria. Acuada, Heidi deu alguns passos para
trás e se pôs a correr novamente.
Em
sua carreira desesperada, lutando contra o pandemônio que começava a assomar
dentro de si e a solidão que ameaçava dominá-la, Heidi tropeçou, indo ao chão
em um solavanco abrupto. Seu rosto se esfregou no chão, arranhando-a, e sentiu
suas mãos ardendo.
Em
meio à dor sua mente se perdeu em memórias; Heidi se virou, esperando, mesmo
que por somente um instante, que ele estivesse ali para tomá-la pela mão e
reerguê-la.
Não
havia ninguém ali.
Sozinha
em meio ao caos, caída no chão, Heidi chorou.
T-00:08:23.
-Então é isso?
-Sim. Acho que sim.
Ela sorria amarelamente
e ele tentava não chorar enquanto segurava o anel de compromisso que dera a
ela.
-Me perdoa. – Ele disse
fracamente, engasgado entre lágrimas.
-Não há o que perdoar. –
Ela respondeu, dando de ombros. – Acontece.
-Eu amo você.
-Eu também te amo.
E agora ela estava noiva de outro.
Ainda assim, Alek
corria desenfreadamente pelas ruas do centro da cidade, sem precisar desviar do
trânsito, totalmente parado. A maioria dos carros estava vazia, e alguns
tocavam músicas solitária e melancolicamente. Numa fração de segundo enquanto
passava pelos veículos, Alek os associou aos violinistas do Titanic. A
diferença crucial era que ali não havia bote nem colete salva-vidas.
Alek engoliu em seco antes de conseguir
perguntar.
-Você acha que...
A pergunta não precisou
ser finalizada para ser entendida.
-Acho. – Ela respondeu,
e Alek viu lágrimas em seus olhos. – Sabe, eu nunca te contei, mas... Eu tive
um sonho no qual eu entrava num café, alguns anos no futuro, e a gente já tinha
terminado, entende? – Ela contou, em seu jeito particular. – Então eu pedia um
café. Eu estava lá, distraída, quando com o canto dos olhos eu vejo você,
sentado à uma mesa perto da janela, escrevendo em um laptop. Eu ia conversar
com você, e você parecia muito, muito feliz em me ver.
-E o que acontecia
depois? – Alek perguntou, ansioso por qualquer tipo de esperança.
-Eu acordei não muito
tempo depois. – Ela confessou, mas prosseguiu. – Mas enquanto nós conversávamos
lá, eu tive aquela certeza que a gente só tem em sonho de que nós ficaríamos
juntos definitivamente depois dali.
Alek sorriu fracamente,
tentando processar tudo aquilo.
-Eu vou esperar por você
nesse café.
Ela assentiu
vagarosamente com a cabeça.
-Em algum momento eu
chegarei lá. Daí eu e você estaremos no mesmo lugar novamente.
E ele havia esperado o café
irrequietamente por anos. Agora o fim do mundo chegara, mas o café não.
Foi
quando ele percebeu que precisava deixar de esperar e ir ao encontro dela.
T-00:07:32
Eu sei onde encontrá-lo.
Estava sozinha e coberta de poeira e,
embora fosse dia, uma escuridão turvava seus olhos. Até que este pensamento
veio até ela, límpido, claro.
Eu sei onde encontrá-lo.
Esforçando-se para se por de pé,
Heidi se ergueu e recomeçou sua corrida, primeiro cambaleando, depois acertando
o seu passo, para finalmente correr, com um novo ímpeto em seu coração, um novo
fogo dentro de si.
Ele procuraria por mim lá. Era lá que nos
encontrávamos. De alguma forma ele vai estar lá, esperando por mim.
T-00:06:42
Quando
Alek finalmente avistou o apartamento, o tempo pareceu congelar. A rua estava
exatamente como ele se lembrava, com seu asfalto irregular e com buracos
esporádicos, ladeada por pequenas casas, cafés e bares, com apenas um prédio
alto se destacando no curto horizonte. Uma luz atingiu seus olhos pela direita;
era o Sol que, refletindo no rio que corria largo e incólume ao caos a algumas
centenas de metros dali, cegava Alek momentaneamente. Desconfortável, Alek
notou que o brilho do Sol estava consideravelmente mais forte do que o normal.
Despertou de seu transe e voltou a correr.
T-00:06:39
Ela
avistou a praça antes de avistar o prédio.
Não
titubeou nem por um instante.
Continuou
a correr.
T-00:06:33
Estava
na esquina, de frente para o apartamento dela.
T-00:06:32
Estava
perto, a dois segundos da esquina.
T-00:06:30
Esbarrou
num rapaz desconhecido que atravessava a rua naquele instante, sem nem mesmo
notá-la.
Pela primeira vez em
sua vida, ela não se importou por não ser notada.
Chegou até a esquina e
se pôs a mirar a praça, procurando por uma sombra, um contraste, uma silhueta,
qualquer coisa que dissesse que ele ainda estava ali, que ele ainda protegeria
a princesa dele.
Não demorou muito até
que percebesse que ele jamais voltaria.
Estava pronta a desabar
novamente, chorar até que o mundo acabasse e que finalmente tudo se findasse de
uma vez. Era o fim para ela, então que o fim viesse para todos.
Estava disposta a
literalmente esperar, sentada, o fim do mundo.
Até que, pela segunda
vez naquele dia, ouviu algo como uma criança chorando.
T-00:06:30
Alek
respirou fundo e atravessou a rua num rompante, esbarrando em uma garota que
passava sozinha por ali, sem notá-la. Chegou até o portão do prédio e tocou a
campainha. Ninguém respondeu.
-Ella!
Ella!
Alek deu alguns passos
para trás, cobrindo as laterais do rosto para fazer o som ecoar.
-ELLA!
Continuou
a gritar e tocar a campainha, mesmo já percebendo que não havia ninguém na
casa. Enquanto gritava por Ella, sentia as lágrimas correndo quentes por seu rosto
e soluçava enquanto a percepção de que nunca mais veria a única mulher que
amara em sua vida se avolumava dentro de si.
Então
sentiu um toque em seu braço.
T-00:05:10
Heidi estendia um
celular para ele.
-Quer
tentar ligar para ela?
Alek
ficou parado por alguns instantes, tentando apreender o que se passava.
-Você
não quer ligar para ninguém? – Ele perguntou idiotamente.
-Não
mais. – Heidi retrucou, um sorriso triste se desenhando em seus lábios.
Alek
assentiu e pegou o celular, agradecido, enquanto se lembrava do número sem ao
menos precisar fazer esforço. Chamou várias vezes, e por um instante Alek achou
que Ella não iria atender.
Ella
atendeu.
-Alô?
– Alek ouviu a voz dela pela primeira vez em anos e, mesmo sob os chiados
horríveis e uma interferência enorme, ele a reconheceu imediatamente como sua.
-Ella.
– Foi o que ele conseguiu dizer.
-Quem
é? – Ela perguntou, insegura – Alek, é você?
-Sim,
Ella. Sou eu. – Ele respondeu, tentando evitar com que seu choro interferisse
em sua fala.
-Não
abusa, é pós-pago. – Brincou Heidi, mais para si mesma do que para o rapaz em
êxtase em sua frente. Ele respondeu com um sorriso rápido antes de se voltar
novamente para a ligação.
-Ella...
Lembra do café?
T-00:03:05
Heidi
havia atravessado a rua novamente, indo para a esquina onde esbarrara em Alek,
e sentara para dar privacidade a ele. Agora Alek voltava, com o celular em mãos
e um sorriso constrangido.
-Obrigado,
e desculpa. Pelo celular. E pelo esbarrão.
-Não
se preocupe. – Heidi retrucou, sorrindo largamente – Não creio que isto importe
muito a esta altura.
Alek
assentiu e sentou-se ao lado dela.
-Conseguiu
o que queria? – Heidi perguntou, mantendo seu olhar no horizonte.
-Sim.
A ligação cortou, mas consegui o suficiente. – Alek murmurou – Ponto final.
Foi
a vez de Heidi assentir vagarosamente, compreendendo.
-E
porque você está sozinha aqui? – Alek indagou para quebrar o silêncio.
-Assim
como você, parece que as pessoas em geral viram o fim do mundo como uma ótima
oportunidade de serem sinceras sobre tudo. Mas acontece que não foi tão legal
para todo mundo quanto foi para você.
-Ele
é um babaca. – Alek comentou num palpite ousado, porém acertado.
-Sim,
sempre foi, aparentemente. Mas é a vida, não é? Não é como se isso fosse o fim
do mundo.
Alek
riu.
-É...
– Permaneceu em silêncio por alguns instantes. – Conhece as redondezas?
-Não...
– Heidi respondeu, percebendo que sua casa, com suas ruas familiares, não eram
mais suas há anos. – Eu cresci aqui, mas me mudei depois que meu pai morreu.
-Você
está bem? – Alek se sentiu imbecil assim que a última palavra deixou seus
lábios. Heidi se contentou a respondê-lo com um sorriso ligeiramente
zombeteiro.
-Já
estive pior.
Alek
correspondeu com um olhar grato e apologético, então se pôs de pé num salto,
emendando a conversa rapidamente.
-Já
que você não conhece a vizinhança, vou te levar para um lugar ótimo. Dizem que
é um must para eventos de fim de
mundo.
Heidi
tomou impulso e se ergueu levemente, pondo-se de pé com facilidade.
-Espero
que não seja muito longe.
-É
logo aqui atrás. Mas é melhor não nos atrasarmos, não é?
Alek
mal havia acabado de falar e já estava correndo. Heidi, após um momento de
surpresa, se pôs a segui-lo, gargalhando. Viraram à direita, atravessando uma
grande praça verdejante, de grandes carvalhos antiqüíssimos e felizes arbustos
coloridos. Toda a vegetação estava embebida de um dourado que ninguém jamais
havia visto antes. Em meio à corrida, Heidi tirou seus sapatos, sentindo a
grama tocando seus dedos maciamente, suave e encantadora.
Grama.
Um homem estava ajoelhado na grama.
-Pai?
De repente não havia
mais tempo, nem distância, nem vácuo; nem verão, nem inverno, nem céu, nem
inferno; nem aflições, nem problemas, nem escolhas, nem dilemas. Somente a
grama macia entre os seus dedos infantis enquanto ela corria.
-Pai!
Ele estava com os braços
abertos, sorrindo para ela, e ela sabia para onde estava indo: para o único
lugar onde estava realmente segura, para o lar que ia além das paredes, para o
conforto único.
Suspirou aliviada quando
seu pai a abraçou.
Os últimos raios de Sol banhavam toda
a praça. Alek tomou a mão de Heidi e a guiou à ala noroeste da praça, onde um
mirante se erguia alto e imponente. Subiram os degraus de dois em dois, caindo
e rindo de quando em quando, de forma que, quando alcançaram o topo, o fôlego
lhes faltava, então se deixaram cair ao chão.
Assim
que conseguiram respirar com normalidade novamente, Alek se levantou e,
sorrindo, ofereceu a mão para ela.
-Quer
uma ajuda?
Com
o rosto em lágrimas e um sorriso refeito nos lábios, Heidi aceitou a mão e se
pôs de pé.
Sem
mais palavras eles se abraçaram apertado, enquanto um crepúsculo dourado como
nenhum amanhecer jamais fora se expandia inexoravelmente, como uma onda em
chamas, beijando a terra, as plantas, as águas e os homens, dando a todos seu
ponto final.
Foi
manhã e noite, o último dia.
T-00:00:00
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