domingo, 29 de julho de 2012

Vivo por ela.

Não me lembro mais como conheci o amor da minha vida.

Embora isso me assuste um pouco, também ressalta o fato de que nossa história se mesclou ao próprio amor, e o passado e o presente se fundiram ante a perspectiva do futuro. Eu a amo, e para mim isto basta.

Me lembro que minha mãe me apresentou a ela. Me aproximei, tímido, como sempre, mas não demorou mais do que alguns dias para que ela se tornasse minha melhor (e por vezes, única) amiga, confidente, amante.

Brigamos muitas vezes também. Eu sentia que não correspondia às suas expectativas, e, 'inda hoje, sei que não sou bom o suficiente para ela. Admito isto com franqueza, sem problema; se ela me dá o prazer de compartilhar com ela e nela tudo o que eu tenho dentro de mim; se ela me deixa mostrar o meu melhor e meu pior; se somente com ela, sozinhos, eu sou realmente eu, despido de qualquer máscara, qualquer hipérbole ou qualquer fuga; se somente com ela eu me sinto limpo, me sinto eu... Se é desta forma que eu me sinto completo, nada mais importa. Não importa se sou bom o suficiente, não importa se sou imperfeito, não importa se nunca conseguirei ser o que deveria.

O que importa é ela, e eu junto à ela, nela, para todo sempre, enquanto meu sempre durar.

Ainda assim, com ela, o eterno parece realmente durar para sempre. Ela me inspira, me revolve, me fere, me envolve, me eleva e me enleva. Ela me apaixona e se apaixona por si, apenas para que, em metalinguagem, ela me tenha ainda mais.

Sonho com ela quando estou acordado, e penso nela em meus sonhos. Da hora que me levanto até o momento de dormir, estou pensando em suas nuances, em o que outros já fizeram com ela, e a recrio ininterruptamente assim.

"Cada dia é uma conquista; a protagonista é ela também."

Pois a música é assim: quando lhe toma de assalto, lhe toma em corpo, alma e mente. Lhe queima dos pés a cabeça, engradece e te amiúda, apenas para lhe mostrar o quão maior que qualquer ser humano ela é. É a musa dos sonhos que ela mesma inspira.

A música é uma faísca em um palheiro, mais do que se sonha e, em vários momentos, exatamente do que se precisa. A música é fogo que arde sem se ver, é ferida que dói e se sente - Deus, e como se sente...

A música é amor que acalenta, paixão que incendeia e vida que pulsa, e a vida sem ela é um poço seco.

E então, quando for a hora, desliguem as luzes, fechem as cortinas, e deixe que o fôlego se esvaia como um último lá menor que morre no silêncio.

Pois do acorde viemos, e à harmonia voltaremos.


quinta-feira, 26 de julho de 2012

Cidade das luzes brilhantes.


~Conto 1
           -Faz frio aqui.
            -Você fala como se fosse novidade.
            -E você fala como se não sentisse.
            A segunda olhou para a primeira com o canto do olho, sem se dignar a mover-se.
            -Lá se vai Madame Gertaux. – continuou a segunda – Olhe que vestido maravilhoso ela está usando!
            -Não gostei.
            -Ah, Madame Roches! Faça-me o favor. Isso tudo é só inveja?
            -Não é uma questão de inveja. É questão de princípios. Nós duas sabemos dos homens de onde veio o dinheiro para esse vestido. E nós duas sabemos quantas pessoas poderiam escapar à morte apenas com metade do pano que o compõe.
            As duas estavam à beira da rua, fazendo o que lhes restava fazer: assistir a vida dos outros e a própria escorrendo e congelando. O vento varria as ruas parisienses, e a cidade reluzia às vésperas do Natal. Tons de vermelho, verde e dourado da festividade contrastavam com as nuances de cinza já intrínsecas a paisagem da cidade. Cavalos trotavam carregando gordos carroceiros, cheios de mercadorias, especiarias e alimentos especiais para as mesas dos abastados; velhas imploravam por moedas, os rostos secos com lágrimas outrora molhadas, agora congeladas pelo frio.
            -Quem morreu, morreu. – retrucou a segunda – Nada se há a fazer. Que haja algum lucro nisso pelo menos.
            -Sabe, Madame Sansvie, me pego me perguntando várias vezes se há qualquer sentimento dentro de você.
            -Defina sentimento. – provocou Sansvie – Eu tenho perspectiva de um futuro com mais glamour do que continuar estagnada ao seu lado.
            -Aprenda a andar primeiro, sua prepotente – rosnou Madame Roches – e depois cogite fugir de mim.
            Sansvie permaneceu em silêncio por um tempo, limitando-se a encarar o espaço a sua frente, até finalmente responder.
            -Não sei como você consegue manter sentimentos, levando uma vida como a nossa.
            Foi a vez de Roches pensar antes de retrucar.
            -Não é uma questão de sentir ou não. É uma questão de se deixar atingir.
            -Você vê tanto quanto eu o modo que eles nos olham, Roches. – vociferou Sansvie. Sua voz transparecia uma mágoa guardada há muito tempo. – Você vê o desprezo por nós. O amargo lembrete de que a vida perfeita deles não é tão perfeita assim, porque nós somos o espinho na carne deles. O incômodo. O câncer na vida da bela Paris!
            Sansvie berrava agora. A ironia é que ninguém sequer virou o rosto em sua direção, como que comprovando o que ela acabara rasgar aos céus europeus.
            Ela riu. Um riso triste, seco, amargurado.
            -Viu? Está vendo? Não há o que sentir. Não há o que valha a pena sentir. Não por isso.
            Ela ainda estava imóvel, embora Roches pudesse senti-la tremendo por dentro, com a mais pura dor.
            -A questão não é sentir ou não, Sansvie. – Ela respondeu, mirando o infinito. – A questão é quanto você se deixa atingir. Sua alma é sempre tão frágil quanto você acredita. Há uma grande diferença entre ter um coração de pedra e não ter coração algum.
           
Elas ouviram alguém subindo as escadas, e logo cessaram a conversa. Um homem de vestes simples adentrou o campanário, tocando o sino riquíssimo com as costas da mão, e se dirigiu à janela leste do lugar, de onde jurara ter ouvido vozes. Aproximou-se do peitoril, esticando a cabeça para fora, para ver a Cidade das Luzes em toda a sua glória e desgraça.
            Olhou para as duas gárgulas gigantescas que podiam ser vistas à distância, e sorriu. Algo na expressão delas às vezes parecia lhe dizer que elas eram mais humanas do que ele mesmo.





domingo, 22 de julho de 2012

O cientista.

Comecei com um vidro translúcido, quase um espelho.

Eu sabia a imagem que eu tinha de montar, então me pus a fazê-la. À minha frente, pequenas imagens, vídeos, sentimentos e sensações de outrora. Respirei fundo e me debrucei sobre o trabalho.

Ele tinha catorze anos e recebeu um tapa no rosto, forte, pesado, daqueles que se ouve o som antes de ver o impacto. Coloquei a imagem de lado por um instante.

Um garoto tinha caído no chão, correndo sozinho pela rua. Ele se levantava, devagar, o joelho e os cotovelos sangrando, ninguém para ajudá-lo. Afinal de contas, estava correndo sozinho na rua. Coloquei essa peça no canto esquerdo.

Uma menina loira me chamou atenção. Tinha um nome amado e um sorriso que refulgia em inocência como estalactites. Ela chorava copiosamente. Havia mais algumas da mesma forma. Coloquei suas imagens na base.

Encontrei uma foto do Neil Gaiman e a pus no canto superior direito.

Achei imagens de livros e mais livros. Joguei todas fora. Logo abaixo delas encontrei uma imagem em branco, como uma folha de papel. Coloquei-a perto do centro.

Vários vídeos me perturbaram. Em um deles, um rapaz combinava de encontrar uma moça. Ele nunca apareceu, e ela esperava por ele, primeiro em pé, depois sentada nos degraus. O que mais doía era o fato de que nunca precisei rebobinar o vídeo; era extenso, durava horas. Quando começou a chover e a garota começou a chorar, não consegui mais assistir.

Noutro, dois amigos andavam por cinco quadras. A menina tentava falar algo para o menino, mas aparentemente não conseguia. Ainda assim, por algum motivo a mim desconhecido, ele estava sorrindo. Gostei daquela imagem e a lancei em meu quadro.

Vi uma foto, de um garoto com sorriso amarelo numa estação de ônibus suja. Tinha uma mala enorme do seu lado, e parecia que podia colocar-se dentro dela com facilidade. Sua expressão tentava passar segurança e bom humor, embora sua insegurança e desespero fossem evidentes. Coloquei aquela foto perto do centro da imagem.

E assim fui montando o quebra-cabeças. Eram pedaços de vidro, lâminas de teste sanguíneo que, apesar de terapêuticas, como boas lâminas que eram, me cortavam em doses homeopáticas. Como sanguessugas, o verter de sangue vertia impurezas e vertia lágrimas, revertendo efeitos intoxicantes de lembranças recentes e venenos vorazes de vidas vedadas. Como naquele filme "Algum Lugar do Passado", ou "Efeito Borboleta". Ou "Minority Report".

Tentei inverter algumas imagens, porém mesmo o negativo delas me fazia ver o efeito positivo que, aliadas ao tempo, elas me trouxeram. Tentei retroceder alguns vídeos, mas nenhum deles se permitiu ser repetido. Eram orgulhosos e diziam ser únicos e irredutíveis; diziam que não voltavam atrás.

Montei assim este painel, uma cacofonia de cacos cortantes, cornucópia de cores cinzentas, caleidoscópio de carências cruas. Montei todo o painel, exceto pelo círculo central, que, escuro, me chamava, e implorava por somente uma peça que faltava.

Tirei do paletó um relógio de bolso e o abri. Ele era lindo, e os ponteiros eram feitos de relâmpagos. Era o tempo trazendo luz. Pus o relógio no centro da imagem.

Lentamente as bordas se iluminaram e se fundiram, transformando-se de peças irregulares numa grande tela, numa única imagem, consonante e precisa.

Terminei com um vidro polido e emoldurado. Era um espelho.


sexta-feira, 20 de julho de 2012

Algum lugar que só nos conheçamos.

Uma casa na cidade.

Uma porta para entrar, uma porta para sair, a mesma porta de viver. Duas janelas com vista para a alma, por onde uma brisa fria sempre consegue se esgueirar quando se está sozinho. Um quarto, pulsante, recebe luz do sol da meia-noite. Não se recebe visitas; ou se mora ou nunca se entra. Não dá para confiar em hóspedes. Tranque a porta antes de dormir, não destranque-a para sair. É mais fácil sair trancado em si. Muito mais fácil não se deixar afetar pelos seus vizinhos.

Uma casa no campo.

Várias portas, por onde todos querem sair, e por onde só entra quem está velho demais para não querer sair. Uma rede para as crianças cansadas depois do almoço, um balanço para os velhos cansados de serem jovens. Pastos verdejantes e águas tranquilas; sistema de refrigeração de alma. Poucas possibilidades de lazer, a não ser os verdadeiramente divertidos - aqueles que encontram diversão na própria existência ou na vida de outrem. Casa simples. Muito simples. Simples demais? Se quiser sair, saiba que provavelmente não vai voltar. Se tiver de sair, saiba que provavelmente vai querer voltar.

Uma casa em si, dentro de si.



Várias cicatrizes, paredes descascadas onde a cor da pintura não parece mais tão viva quanto antes. Cheiro de mofo onde várias goteiras pingam das janelas - aquelas, da alma - e se empoçam. A porta emperrou; para entrar agora é difícil, e mais difícil ainda de sair e expor-se. Ainda assim, você ainda tem a chave.

O mais interessante, meu bem, é que, mesmo com tantas casas, acabamos por escolher morar na rua, apenas para fugir da nossa pretensão de ter de se apegar a uma habitação. Apenas por medo de perdê-lo.

Se lar é onde nosso coração está, nossa casa é nossa mente.

quarta-feira, 18 de julho de 2012

Árvores falsas de plástico.

É interessante ver como as coisas se desenvolvem. Há dez anos, celulares eram artigos de luxo, enormes e desajeitados. Há dez anos, Alice era viva. Há dez anos ainda passava episódios inéditos de Friends na Warner. Há dez anos ninguém tinha tablets, só havia dois Toy Story, as rádios tocavam Simple Plan e Avril Lavigne em compulsão desenfreada, e você provavelmente era uma criança.

Bem, eu era. Eu sou. Não sei.



Existe algo chamado de Síndrome de Peter Pan. Quem sofre dela, obviamente, se recusa a crescer, mantendo-se mentalmente infantil por tempo indeterminado. Certo? Certo. Então segure-se a este pensamento.

Do outro lado, temos a possibilidade de crescer. Antes há a fase da simplicidade, de simplesmente ser criança e brincar com quem estiver por perto. Nos vem a comunicação e, com a capacidade de falar, a incapacidade de se manter em silêncio.

Logo depois aprendemos a elaborar - automaticamente perdendo a capacidade de ser espontâneo. Elogiamos o garoto por ele ser o dono da bola, não por ele realmente jogar bem. Damos porque, afinal de contas, é dando que se recebe. Adulamos para sermos adulados. Arquitetamos para não sermos arquitetados.

Entra-se, então, no status quo, e a vida se encarrega de regar a planta sem vida que nos tornamos. Verdes, latifoliadas, vistosas... Enterradas num vaso sem terra. Sem um pulsar de vida. Árvores de plástico que acham estar crescendo, quando na verdade só estão deteriorando ao nadar contra o único adversário verdadeiro da eternidade: o tempo.

Certo? Certo. Então segure-se a este pensamento.

Chamam uns aos outros de infantis, "crianções" e imaturos, como se a maturidade fosse a maior dádiva de todos os tempos, e não a consequência vil de erros - e de assistir os outros errando. Talvez a velhice seja, sim, a melhor idade, mas não pelo tempo passado em si, pela "maturidade" que os anos acumularam, mas pelas vezes que se abriu mão de ser uma árvore de plástico e se decidiu ser Peter Pan; pelas vezes que mandaram o terno e a gravata para a (*cofcof*) casa do cacete e pararam para ver o mar indo e voltando; pelas vezes que se desligou o celular só para ficar se balançando na rede lendo um bom livro.

Pelas vezes que se largou as pretensões de ser adulto para, sendo criança, ser maduro.

Então traga os pensamentos de volta. Enterra-se sem terra ou se voa para a segunda estrela à direita, e reto até o amanhecer.

Sábio foi Michael Jackson.

"E se eu pudesse ser quem eu quisesse?", você se pergunta. "E se eu pudesse ser quem eu quisesse o tempo todo?"

segunda-feira, 16 de julho de 2012

Balão negro.

Eu tenho uma leve fixação com balões. Talvez nem tão leve. É uma fixação que se estende, se pretende e se entende por si só. Não tenho muita participação a não ser enchê-la de ar quente.

Não sei o porquê dela. Lembro de ser menor e sonhar uma vez que eu participava de uma corrida de balões. Havia centenas deles, e o céu, num laranja crepuscular, parecia que nos ia tragar. Eu era mais velho no sonho, mas, tipicamente, não conseguia discernir minhas feições. Eu sei que eu "acelerava" o balão e chegava primeiro, ganhava a corrida. O mais interessante, e o que eu nunca esqueci, foi o que o promotor do evento me falou quando foi me entregar o troféu.

"Toma esse troféu, mas ele é inútil" Ele me falou, rindo "O que importa mesmo é que você aprendeu o quanto longe e alto você pode chegar".



Eu não entendi o sonho na época (não que eu entenda agora. Mas é legal, às vezes, deixar subentendido que você é mais sagaz do que aparenta. Se bem que, ao escrever isso, eu acabo me sabotando. Meus parêntesis sempre me entregam.), mas o fato é que, talvez principalmente por isso, essa frase nunca tenha saído da minha cabeça.

É estranho pensar o quanto nós sempre estamos competindo, tentando sobrepor os outros: ter a melhor média nos estudos, ser o profissional mais eficiente, ser o namorado mais dedicado, ser mais... O que é extremamente estúpido, visto que é muito mais gratificante e útil - e potencialmente menos decepcionante se nós nos concentrássemos em ser.

É como uma grande corrida de ratos, onde todos querem chegar ao queijo primeiro, mas não há queijo nenhum. Ou talvez haja queijo para todos, não sei. Depende do que você acha, se o copo está meio cheio ou meio vazio. Eu sou daqueles que acham que o copo está meio, e pronto.

Essa ânsia de se tornar melhor que o anterior (o que automaticamente te faz pior que o próximo) é só um ciclo vicioso que não alimenta a nada a não ser a si mesmo, amargura e desapontamento. Alguém disse que ganhar não é chegar em primeiro, mas não chegar em último. Acho que é muito mais válido dizer que ganhar é chegar.

O que quero dizer (e tento me convencer que realmente quero dizer algo) é que numa corrida onde o final de todos é o mesmo (e teoricamente não é nem um pouco agradável), não faz sentido se adiantar. Numa corrida onde a linha de chegada é a morte, não tem porque ter pressa, nem querer ultrapassar o próximo.

Talvez isso tudo, inclusive a frase do promotor da corrida, faça algum sentido mais claro um dia, ou talvez não. Talvez eu tenha só dormido de barriga cheia aquela noite. Mas ainda assim...

Não sei você, mas eu não ignoraria uma criança que sabe pilotar um balão.

sábado, 14 de julho de 2012

Ratos de açúcar na chuva.

"Você é um homem ou um rato?"

A moça brincou com o rapaz num Jogo da Verdade, ou o pai bêbado gritou com o filho quando este se encolheu ao ver o outro levantar a mão, ou o homem perguntou a si mesmo antes de respirar fundo e pedir demissão.

Imagino qual foi a primeira vez que esta pergunta foi feita, como foi feita. Provavelmente como um desafio, ou uma forma de caçoar. Provavelmente a pessoa, como todos os pais dos grandes ditos populares, nunca imaginou que sua afronta perduraria além de si mesmo. De qualquer forma, foi dito. Imagino como o interlocutor reagiu; se ele saiu correndo, se ele lutou, agrediu, ou se abaixou a cabeça. Se ele foi o Primeiro Homem ou o Primeiro Rato.

"E aí? Homem ou rato?"

Não é uma pergunta de fácil resposta, por mais idiota que ela pareça numa olhada rápida. O instinto e o ego nos empurram a estufar o peito, armar o olhar mais ameaçador possível e bradar "UM HOMEM!", por nenhum motivo a não ser esconder o fato de que, na verdade, ele é um rato (Se a pessoa reagir desta forma, ela provavelmente é um rato, e ela sabe disso. Ela provavelmente tem certeza disso. Ela mal pode suportar o fato de que ele mesmo sabe disso, então fará o que for necessário para que ninguém mais saiba disso também.), mas quando pensamos melhor a respeito, notamos que homens vão à guerras, homens se matam pelas coisas mais imbecis e efêmeras que já foram criadas (muitas vezes por eles mesmos); homens ferem e são feridos, homens castigam e são castigados, homens sentem. Ratos sobrevivem. Correm, comem, mas sobrevivem, grande parte das vezes em harmonia com a natureza. Se é assim, por que o impulso de se reafirmar como homem?

"Homem ou rato?"

Porque homens vão além de sobreviver. Por mais imbecis e autodestrutivos que por várias vezes sejam, vários notam o quão idiota esses hábitos são, alguns se rebelam contra isso, e, de tempos em tempos, um muda todos os paradigmas. Um revoluciona. Um recria.

Nós escolhemos ser homens e mulheres, e não ratos, porque nós não sobrevivemos. Nós vivemos. Nós são só nos adaptamos e aceitamos as circunstâncias; nós temos o poder de aceitar que podemos alterar as circunstâncias. A cada dia, a cada minuto e cada segundo, cada povo, cada grupo, cada ser tem a capacidade e o poder de escolha de revolucionar a sua realidade, em menor ou maior grau.

É uma escolha diária, repetida a cada momento, como em "Efeito Borboleta". Escolhemos ser ratos de açúcar na chuva e nos deixamos ser levados pela vida, ou levantamos e vivemos. A escolha foi ontem, é hoje e será amanhã.

Então?

Homem ou rato?

quinta-feira, 12 de julho de 2012

Duas metades de laranjas diferentes.


Dois é melhor que um.

"Um mais um é igual a dois", diziam nossos professores, e parecia bem óbvio. Você tem uma maçã e ganha outra maçã, o que você tem?



Duas maçãs e uma dívida. Mas aí você tem duas maçãs e um estômago vazio, se você não fizer nada. (Você pode fazer malabarismo, o que não vai alimentar você, mas vai entreter os corações tristes que lhe acompanham num trânsito cinzento.)

O que eu quero dizer (como se eu alguma vez eu quisera dizer alguma coisa) é que nem sempre um mais um equivale a dois. Às vezes duas metades não fazem um inteiro, como quando você junta duas peças de Lego que obviamente não combinam. Às vezes é necessário ser uma metade sozinha para conseguir olhar de fora e ver como seus encaixes funcionam. Você não pode completar nada se você não sabe como se completar.

E tem toda aquela história, do pássaro na mão e os dois voando. Pessoalmente, prefiro saber o que o pássaro quer. Se o pássaro não quiser ficar no chão, eu prefiro ter os dois pássaros voando. Um pássaro preso na sua mão sufoca, se debate, se machuca, morre. Dois pássaros voando vão se reproduzir, e talvez vários outros pássaros voltem pra você (com um ramo de oliveira). Solta a droga do pássaro. Ele é um pássaro. Ele vai ser muito mais feliz voando com outro pássaro do que sendo sufocado na sua mão.

Por mais desconexo que (eu reconheço que sou) eu seja, a ideia é a mesma: de nada adianta ter duas maçãs e nenhuma vontade de comer, e de nada adianta reter um pássaro que não quer mais lhe pertencer.


São os lados opostos. Dois lados de uma moeda.


Porque, às vezes, dois é simplesmente igual à um. 


terça-feira, 10 de julho de 2012

Um pequeno passo para um garoto, um enorme passo para um balão.


Noventa e nove balões vermelhos.

Alguém encheu o balão. O balão não se encheu sozinho, obviamente.



Entretanto, ninguém está segurando o balão. A pergunta, também óbvia, é: por quanto tempo esperaram ele com a janta?

Ele tinha um sonho simples: queria ser o garoto que mais encheu balões em sua cidade. Ele encheu um, e amarrou na relva. Encheu outro, e amarrou na relva. Chegou no décimo-quinto, e teve que soltar os balões da relva - afinal, a Terra podia sair voando. Amarrou os balões no braço, e encheu o vigésimo-sétimo. Então começaram a deixar o braço dele inchado, daí ele passou os balões para as costas - embora o trigésimo-nono tenha sido meio difícil.

Noventa e sete, e de vez em quando os pés dele não tocavam o chão. Noventa e oito, e ele não notou, enquanto assoprava o balão, que ele já estava a alguns metros do chão. Ele amarrou o noventa e nove nas suas costas, contente, e partiu para o centésimo, o honrado, seu sonho trazido à realidade.

Mas já estava muito longe do chão. Então, desesperado, ele amarrou o balão à relva, apenas pelo tempo suficiente para conseguir adaptar-se e passar o balão para suas costas. O último balão. O balão que lhe coroaria Rei do Bloco (quem sabe da Cidade, ou até mesmo Rei do Mundo. Rei do Universo, ou... Rei de Tudo, Tudo, Tudo). Porém já era tarde, e o garoto jamais pegou o último balão.

A tristeza de não realizar seu pequeno sonho obscureceu o fato de ele ter alcançado algo muito maior do que jamais sonhara. Ele não foi Rei do Mundo. Ele foi Rei das Estrelas, e seu filho cuidou de rosas em todo o espaço.

A tia dele chamou ele para jantar algumas vezes. Desistiram e eles comeram a parte dele do assado.

Até hoje o balão espera que ele volte.

segunda-feira, 9 de julho de 2012

Foi um eterno por um segundo. Inteiro.


Nomes diferentes para a mesma coisa.

Eu poderia dizer que estava indo para o sul do norte, ou o norte do sul; mas a verdade seria uma: não estou indo à lugar algum.

Eu até queria falar da alegria na tristeza, da tristeza na alegria (na saúde e na doença, até que a morte finalmente os reúna), mas eu não gosto de contradições e meias palavras. Gosto de palavras inteiras, inteiramente vazias. O copo das palavras nunca está pela metade.

Eu pensei umas bobeiras interessantes e ambíguas para escrever para mostrar o quão (pseudo)intelectual eu sou, mas eu lembrei que não sei escrever. E se soubesse também, nenhuma diferença faria. (Sendo assim, já que nenhuma diferença faça, talvez eu saiba escrever, e só não tenha percebido que eu sei. De qualquer forma, em termos práticos, acabo sendo socrático: só sei que não sei. Ou nada sei. Não sei.)

Ainda assim, decidi rascunhar alguma coisa. Se é que posso chamar algo que nunca virará texto de "rascunho". Talvez ele seja um rascunho autossuficiente em si - o que lhe elevaria à categoria de "trabalho final", o que não mudaria o fato de ele ser um médico com licença falsa e jaleco comprado no Saara.

Não sei você, mas não me deixaria ser operado por um cara assim. Então não deixe minhas palavras lhe atingirem.

Mas o que você diz é o que você pensa, e o que você diz tem palavras; daí ou você as bebe e assume os efeitos colaterais ou você simplesmente finge que nada jamais foi dito. Não maleie o dito-não-dito ao seu bel prazer. O copo das palavras nunca está pela metade.

De qualquer forma, quem se importa? Nunca quis chegar à lugar nenhum.